quarta-feira, 6 de junho de 2007

COMO IDENTIFICAR AS HABILIDADES DA COMPREENSÃO LEITORA





Prof. Ms Vicente Martins
Universidade Estadual Vale do Acaraú
(UVA, Sobral, Ceará)
E-mail:
vicente.martins@uol.com.br



No Brasil, as provas realizadas pelo MEC (Prova Brasil, ENEM, SAEB) seguem a orientação internacional: avaliar a compreensão leitora. A leitura seguindo os estudiosos é uma estratégia fundamental para o desenvolvimento da capacidade de aprender (aprender a aprender) e para o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem (aprender a conhecer) Isso quer dizer o seguinte: vencida a fase da decodificação, que corresponde à alfabetização em leitura, deve-se cobrar a partir das séries terminais do ensino fundamental e do ensino médio a compreensão leitora. Após lido o texto, o que o leitor entendeu do texto? A compreensão é, pois dirigida, pelo próprio leitor.


Um bom exemplo desta orientação didático-peadagógica está na Prova Brasil, levada a efeito pelo MEC. A prova foi idealizada para produzir informações sobre o ensino oferecido por município e escola, individualmente, com o objetivo de auxiliar os governantes nas decisões e no direcionamento de recursos técnicos e financeiros, assim como a comunidade escolar no estabelecimento de metas e implantação de ações pedagógicas e administrativas, visando à melhoria da qualidade do ensino.Foram aplicadas provas de Língua Portuguesa (com foco em leitura),com questões elaboradas a partir do que está previsto para as séries avaliadas nos currículos de todas as unidades da Federação e, ainda, nas recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Além das provas, os alunos responderam a um questionário que coletou informações sobre seu contexto social, econômico e cultural. MATRIZ DE LÍNGUA PORTUGUESA FOCALIZA O PROCESSO LEITOR


A partir da Matriz de Língua Portuguesa, foram avaliadas habilidades contidas no quadro a seguir:


Procedimentos de Leitura

– Emprego de estratégias para localizar informações explícitas e inferir informações implícitas em um texto.

Implicações do Suporte, do Gênero ou do Enunciador na Compreensão do Texto

– Interpretação de gêneros textuais variados – veiculados em diferentes suportes, como jornais, revistas, livros didáticos ou literários – e identificação da finalidade de um texto em função de suas características, como o conteúdo, a utilização ou não de recursos gráficos e o estilo de linguagem.

Relação entre Textos

- Identificação, comparação e análise de idéias ou abordagens sobre um mesmo fato ou tema expresso em textos de gêneros variados, produzidos e veiculados em distintos contextos históricos, sociais e culturais.

Coerência e Coesão no Processamento do Texto

- Identificação de elementos que colaboram para a construção da seqüência lógica entre as idéias e permitem estabelecer relações entre as partes de um texto. Relações entre Recursos Expressivos e Efeitos de Sentido - Construção e antecipação de significados a partir de recursos expressivos, como ortografia, pontuação, ironia, humor e outras notações, que possibilitam uma leitura para além dos elementos evidentes na superfície do texto. Variação Lingüística - Reconhecimento das marcas lingüísticas que permitem identificar o locutor e o interlocutor no texto, compreender os enunciados e avaliar sua adequação às diferentes situações de interação HABILIDADES LEITORAS REQUERIDAS PARA ALUNOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA

(Descrição dos Níveis da Escala )

Nível: 125

A partir de textos curtos, como contos infantis, histórias em quadrinhos e convites, os alunos da 4ª e da 8ª séries são hábeis em compreensão leitora quando:

( ) localizam informações explícitas que completam literalmente o enunciado da questão; ( ) inferem informações implícitas; ( ) reconhecem elementos como o personagem principal; ( ) interpretam o texto com auxílio de elementos não-verbais; ( ) identificam a finalidade do texto; ( ) estabelecem relação de causa e conseqüência, em textos verbais e não-verbais; e ( ) conhecem expressões próprias da linguagem coloquial.

Nível: 150


Além das habilidades anteriormente citadas, neste nível, os alunos da 4ª e da 8ª séries são hábeis em compreensão leitora:

( ) localizam informações explícitas em textos narrativos mais longos, em textos poéticos, informativos e em anúncio de classificados; ( ) localizam informações explícitas em situações mais complexas, por exemplo, requerendo a seleção e a comparação de dados do texto; ( ) inferem o sentido de palavra em texto poético (cantiga popular); ( ) inferem informações, identificando o comportamento e os traços de personalidade de uma determinada personagem a partir de texto do gênero conto de média extensão, de texto não-verbal ou expositivo curto; ( ) identificam o tema de um texto expositivo longo e de um texto informativo simples; ( ) identificam o conflito gerador de um conto de média extensão; ( ) identificam marcas lingüísticas que evidenciam os elementos que compõem uma narrativa (conto de longa extensão); e ( ) interpretam textos com material gráfico diverso e com auxílio de elementos não-verbais em histórias em quadrinhos, tirinhas e poemas, identificando características e ações dos personagens . Nível: 175


Este nível é constituído por narrativas mais complexas e incorporam novas tipologias textuais (ex.: matérias de jornal, textos enciclopédicos, poemas longos e prosa poética). Nele, os alunos da 4ª e da 8ª séries são hábeis em compreensão leitora quando:

( ) localizam informações explícitas, a partir da reprodução das idéias de um trecho do texto; ( ) inferem o sentido de uma expressão, mesmo na ausência do discurso direto; ( ) inferem informações que tratam, por exemplo, de sentimentos, impressões e características pessoais das personagens, em textos verbais e não-verbais; ( ) interpretam histórias em quadrinhos de maior complexidade temática, reconhecendo a ordem em que os fatos são narrados; ( ) identificam a finalidade de um texto jornalístico; ( ) localizam informações explícitas, identificando as diferenças entre textos da mesma tipologia (convite); ( ) reconhecem elementos que compõem uma narrativa com temática e vocabulário complexos (a solução do conflito e o narrador); ( ) identificam o efeito de sentido produzido pelo uso da pontuação; ( ) distinguem efeitos de humor e o significado de uma palavra pouco usual; ( ) identificam o emprego adequado de homonímias; ( ) identificam as marcas lingüísticas que diferenciam o estilo de linguagem em textos de gêneros distintos; e ( ) reconhecem as relações semânticas expressas por advérbios ou locuções adverbiais e por verbos.

Nível: 200


A partir de anedotas, fábulas e textos com linguagem gráfica pouco usual, narrativos complexos, poéticos, informativos longos ou com informação científica, os alunos da 4ª e da 8ª séries são hábeis em compreensão leitora quando:

( ) selecionam entre informações explícitas e implícitas as correspondentes a um personagem; ( ) inferem o sentido de uma expressão metafórica e o efeito de sentido de uma onomatopéia; ( ) inferem a intenção implícita na fala de personagens, identificando o desfecho do conflito, a organização temporal da narrativa e o tema de um poema; ( ) distinguem o fato da opinião relativa a ele e identificam a finalidade de um texto informativo longo; ( ) estabelecem relações entre partes de um texto pela identificação de substituições pronominais ou lexicais; ( ) reconhecem diferenças no tratamento dado ao mesmo tema em textos distintos; ( ) estabelecem relação de causa e conseqüência explícita entre partes e elementos em textos verbais e não-verbais de diferentes gêneros; ( ) identificam os efeitos de sentido e humor decorrentes do uso dos sentidos literal e conotativo das palavras e de notações gráficas; e ( ) identificam a finalidade de um texto informativo longo e de estrutura complexa, característico de publicações didáticas . Nível: 225

Os alunos da 4ª e da 8ª séries são hábeis em compreensão leitora, quando:

( ) distinguem o sentido metafórico do literal de uma expressão; ( ) localizam a informação principal; ( )localizam informação em texto instrucional de vocabulário complexo; ( )identificam a finalidade de um texto instrucional, com linguagem pouco usual e com a presença de imagens associadas à escrita; ( )inferem o sentido de uma expressão em textos longos com estruturas temática e lexical ( complexas (carta e história em quadrinhos); ( )estabelecem relação entre as partes de um texto, pelo uso do "porque" como conjunção causal; e ( ) identificam a relação lógico-discursiva marcada por locução adverbial ou conjunção comparativa.

Os alunos da 8ª série, neste nível, são hábeis em compreensão leitora quando capazes ainda de:

( ) localizar informações em textos narrativos com traços descritivos que expressam sentimentos subjetivos e opinião; ( ) identificar o tema de textos narrativos, argumentativos e poéticos de conteúdo complexo; e ( ) identificar a tese e os argumentos que a defendem em textos argumentativos.

Nível: 250 Utilizando como base a variedade textual já descrita, neste nível, os alunos da 4ª e da 8ª séries são considerados hábeis em compreensão leitora quando:

( ) localizam informações em paráfrases, a partir de texto expositivo extenso e com elevada complexidade vocabular; ( ) identificam a intenção do autor em uma história em quadrinhos; ( ) depreendem relações de causa e conseqüência implícitas no texto; ( ) identificam a finalidade de uma fábula, demonstrando apurada capacidade de síntese; ( ) identificam a finalidade de textos humorísticos (anedotas), distinguindo efeitos de humor mais sutis; ( ) estabelecem relação de sinonímia entre uma expressão vocabular e uma palavra; e ( ) identificam relação lógico-discursiva marcada por locução adverbial de lugar, conjunção temporal ou advérbio de negação, em contos. Os alunos da 8ª série conseguem ainda: ( )inferir informação a partir de um julgamento em textos narrativos longos; ( )identificar as diferentes intenções em textos de uma mesma tipologia e que tratam do mesmo tema; ( )identificar a tese de textos argumentativos, com linguagem informal e inserção de trechos narrativos; ( )identificar a relação entre um pronome oblíquo ou demonstrativo e uma idéia; e ( )reconhecer o efeito de sentido decorrente do uso de recursos morfossintáticos.

Nível: 275


Na 4ª e na 8ª séries, os alunos são considerados hábeis em compreensão leitora quando:

( ) identificam relação lógico-discursiva marcada por locução adverbial de lugar, advérbio de tempo ou termos comparativos em textos narrativos longos, com temática e vocabulário complexos; ( ) diferenciam a parte principal das secundárias em texto informativo que recorre à exemplificação; e

Os alunos da 8ª série são capazes de compreender eficientemente quando são capazes de:

( ) inferir informações implícitas em textos poéticos subjetivos, textos argumentativos com intenção irônica, fragmento de narrativa literária clássica, versão modernizada de fábula e histórias em quadrinhos; ( ) interpretar textos com linguagem verbal e não-verbal, inferindo informações marcadas por metáforas; ( ) reconhecer diferentes opiniões sobre um fato, em um mesmo texto; ( ) identificar a tese com base na compreensão global de artigo jornalístico cujo título, em forma de pergunta, aponta para a tese; ( ) identificar opiniões expressas por adjetivos em textos informativos e opinião de personagem em crônica narrativa de memórias; ( ) identificar diferentes estratégias que contribuem para a continuidade do texto (ex.: anáforas ou pronomes relativos, demonstrativos ou oblíquos distanciados de seus referentes); ( ) reconhecer a paráfrase de uma relação lógico-discursiva; ( ) reconhecer o efeito de sentido da utilização de um campo semântico composto por adjetivos em gradação, com função argumentativa; e ( ) reconhecer o efeito de sentido do uso de recursos ortográficos (ex.: sufixo diminutivo).


Nível: 300


Os alunos da 4ª e da 8ª séries são hábeis em compreensão leitora quando:


( ) identificam marcas lingüísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor do texto, caracterizadas por expressões idiomáticas.


Os alunos da 8ª série, particularmente são capazes de :


( ) reconhecem o efeito de sentido causado pelo uso de recursos gráficos em textos poéticos de organização sintática complexa; ( )identificam efeitos de sentido decorrentes do uso de aspas; ( )identificam, em textos com narrativa fantástica, o ponto de vista do autor; ( )reconhecem as intenções do uso de gírias e expressões coloquiais; ( )reconhecem relações entre partes de um texto pela substituição de termos e expressões por palavras pouco comuns; ( )identificam a tese de textos informativos e argumentativos que defendem o senso comum com função metalingüística; ( )identificam, em reportagem, argumento que justifica a tese contrária ao senso comum; ( )reconhecem relações de causa e conseqüência em textos com termos e padrões sintáticos pouco usuais; ( )identificam efeito de humor provocado por ambigüidade de sentido de palavra ou expressão em textos com linguagem verbal e não-verbal e em narrativas humorísticas; e ( )identificam os recursos morfossintáticos que agregam musicalidade a um texto poético. Nível: 325 Além de todas as habilidades descritas nos níveis anteriores, os alunos da 8ª série, neste nível: ( ) identificam informações explícitas em texto dissertativo argumentativo, com alta complexidade lingüística; ( ) inferem o sentido de uma palavra ou expressão em texto jornalístico de divulgação científica, em texto literário e em texto publicitário; ( ) inferem o sentido de uma expressão em texto informativo com estrutura sintática no subjuntivo e vocábulo não-usual; ( ) identificam a opinião de um entre vários personagens, expressa por meio de adjetivos, em textos narrativos; ( ) identificam opiniões em textos que misturam descrições, análises e opiniões; ( ) interpretam tabela a partir da comparação entre informações; ( ) reconhecem, por inferência, a relação de causa e conseqüência entre as partes de um texto; ( ) reconhecem a relação lógico-discursiva estabelecida por conjunções e preposições argumentativas; ( ) identificam a tese de textos argumentativos com temática muito próxima da realidade dos alunos, o que exige um distanciamento entre a posição do autor e a do leitor; ( ) identificam marcas de coloquialidade em textos literários que usam a variação lingüística como recurso estilístico; e ( ) reconhecem o efeito de sentido decorrente do uso de gíria, de linguagem figurada e outras expressões em textos argumentativos e de linguagem culta.


Nível 350


( ) Neste níveis, os alunos atingem um nível de proficiência além do esperado. Particularmente, é uma criança especial, um superdotado, na maioria dos casos, uma vez que possui competências além do seu nível de ensino.



Fonte: O texto acima foi ligeiramente adaptado pelo professor Vicente Martins do site http://www.inep.gov.br/basica/saeb/prova_brasil/ para divulgação neste blog. Acessado em 6 de junho de 2007.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

COMO EXPLICAR A DISLEXIA DE BUSH



Vicente Martins



As recentes gafes lingüísticas do presidente Georg W. Bush Jr são evidências muito concretas de uma dislexia que se severa a cada ano, a cada evento, a cada nova circunstância política. Uma das gafes que mais me chamou a atenção foi no Oriente. Durante sua visita ao Japão, em entrevista coletiva conjunta com o primeiro-ministro japonês Junichiro Koizumi, Bush disse “desvalorização” em vez de “deflação”, o que acabou por provocar pânico no mercado de câmbios. Qual a origem dos lapsos de Bush Jr?
Os tropeços verbais de Bush não são de hoje. Ele é famoso por suas inumeráveis gafes lingüísticas em matéria de política internacional. Decerto, isso não ocorre somente por ignorância ou desinformação, mas por ser portador de dislexia. Durante sua campanha à Presidência dos EUA, seus lapsos gramaticais e, principalmente, ao inventar, nos discursos de improviso, palavras inusitadas e estranhas ao idioma inglês, tal comportamento lingüístico indicava, para os opositores, um despreparo para assumir a presidência dos EUA. Todavia, a dislexia de Bush, herança familiar, não compromete nem comprometeu, até agora, sua inteligência e capacidade de liderar o País.
Bush é um disléxico com visão de mundo, e ficará na história, não apenas pelos atentados de 11 de setembro, mas também como um homem que faz a auto-anulação de seus erros, ao admitir e rir dos lapsos de linguagem. Quando erra, quando troca letra ou palavra, não pensa em duas vezes para, em seguida, pedir desculpas ao interlocutor pela troca involuntária e dá um sorriso franco, próprio de quem aprendeu a vencer os próprios limites de linguagem verbal. O que acontece com Bush aconteceu com figuras proeminentes como Leonardo Da Vinci, William Butler Yeats, Albert Einstein e também o ex-governador de Nova York David Rockefeller.
Ao que tudo indica a dislexia de Bush é hereditária. O avô de George Bush Jr, Prescott Bush, era disléxico. As dificuldades de leitura também podem ser constatadas no seu irmão Neil, que já recebeu um diagnóstico de dislexia. Da família, Bush Jr, em que pese ter consciência do problema lingüístico, ainda não se submeteu aos testes de diagnóstico de dislexia. Sua mãe, Barbara, porém, tem participado de várias campanhas sobre o esclarecimento dessa síndrome e admite, publicamente, as dificuldade de leitura e de compreensão de textos nos demais membros da família.
No caso da troca de “deflação” por “desvalorização”, esta clara manifestação de comportamento disléxico recebe, no âmbito dos estudos sobre as dificuldades de leitura , o nome de paralexia verbal. A paralexia designa o comportamento de um paciente que substitui uma palavra por outra quando lê ou escreve.
O disléxico escuta bem, mas não pode processar rapidamente todos os sons de uma palavra. Desse modo, quando repete uma palavra que escutou o faz omitindo ou alterando o lugar ou contexto dos sons da palavra. Por isso, em geral, falta ao disléxico, a consciência fonológica.
Por ser um presidente de uma grande potência mundial, o comportamento disléxico de Bush tem sido desastroso não só para a sua própria imagem de estadista, objeto de muita chacota por parte de políticos e jornalistas do mundo inteiro, mas compromete, por vezes, a paz mundial, quando apresenta sinais de beligerância, cansaço, stress ou humor visceral, como os verificados na declaração de guerra ao Afeganistão.
Uma outra compreensão de sua dislexia pode nos levar a afirmar que suas dificuldades verbais revelam seu desconhecimento para tratar com a etnolingüistica do mundo ocidental e oriental, o que certamente, justificaria que, em muitos de seus discursos, chame “kosovarianos” aos kosovares, “grecianos” aos gregos, “timorianos” aos timorenses. Ou, ainda, que confunda, Eslováquia por Eslovenia e aos talibães com um grupo de rock.
Mais recentemente, termos como “ declaração de guerra” e “eixo do mal”, sem o peso da carga semântica que a mídia parece supor, indicam o risco, sempre iminente, de confronto mundial.
Em todo caso, consciente de suas limitações no plano da linguagem verbal, Bush Jr tem se comportado como um “ator de discurso memorizado” e tem procurado, outrossim, convencer seus eleitores de que pode ser Presidente não apenas com palavras, mas com gestos. Eis então a explicação porque um disléxico conseguiu chegar à Presidencia dos EUA: desenvolveu a capacidade de gostar das pessoas, de ouvir e de estar sempre próximo do povo.

Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), em Sobral, Ceará. E-mail: vicente.martins@uol.com.br

COMO ENSINAR ORTOGRAFIA SEM PALMATÓRIA



Vicente Martins

Universidade Estadual Vale do Acaraú




Neste artigo, pretendo, a partir de um relato de um tio sobre a disortografia de um sobrinho e as grosserias que o mesmo sofre por conta dos seus constantes erros de grafia, apresentar algumas dicas lingüísticas e psicolingüísticas para a intervenção em casos de crianças que apresentam dificuldades específicas de ortografia. Quando ensinamos ortografia com fundamentação lingüística e pedagógica, não há lugar para palmatória, para castigo ou violência escolar.
No relato, o tio, que é educador, diz o seguinte: “Tenho um sobrinho de nove anos e não agüento mais ver o garoto apanhar todos os dias por escrever errado sendo a criança inteligente e criativa”. E prossegue: “ O que acontece com esta criança é quando ao copiar um texto ele esquece acentos e troca algumas palavras, a mãe sem paciência bate muito no menino e por muitas vezes faz o garoto copiar textos e textos mas não adianta”. E me faz um apelo “ Seria muito grato se o Sr. me respondesse para que de alguma forma eu orientasse a sua mãe de uma forma teórica e prática para podermos sanar ou amenizar o sofrimento deste garoto”.
Comecemos, então, pelo fim, isto é, encarando a ortografia no meio escolar numa perspectiva cognitiva e neurológica. A ortografia, já disse em outros artigos, é a capacidade de o aluno recordar palavras corretas ou formas lingüísticas socialmente aceitas. Quando a criança erra, na verdade, erra quanto à ortografia, desviando-se do modelo estabelecido pela gramática escolar ou pela comunidade lingüística em ascensão social. A ortografia está, pois, associada à questão de variação lingüística, às formas de determinada classe social e, como sabemos, a escrita escorreita, é uma forma particular de escrita da classe dominante, emergente cultural e economicamente.
Quanto à pisa ou castigo como estratégia de ensino, conforme relata o tio, não só tem um caráter medieval, como pedagogicamente, deve ser descartada do ensino da língua materna. O ensino com palmatória além de não ser realmente eficaz, só maltrata, interdita o corpo, inibe o aprendizado da língua e não tem nada de pedagógico ou de amor familial.
Voltemos à questão das alterações ortográficas. Quando as crianças erram ou nós, em fase adulta, erramos, isso, a rigor, não é um “erro” contra a grafia, porque tal grafia, na nossa variação escrita e pessoal, é uma possibilidade real, uma hipótese possível, a que postularia aqui como uma espécie de homonímia enviesada da língua escrita.
Dizendo de outro modo: uando escrevo “caza” em vez de casa, “pretensão” por pretensão, “exceção” por exceção e assim por diante, se notarmos bem, a escrita desviada do padrão gramatical não vai gerar ou acarretar, a partir da escrita ortográfica produzida pelo usuário da língua, uma pronúncia ou produção de fonemas diferentes, uma vez que as letras e grafemas (acentos gráficos, por exemplo) que representam os fonemas ou sons da fala, nos casos acima, reproduzem fielmente a maneira como articularíamos a palavra na forma ortográfica correta no nosso dialeto. Quando a grafia errada se distancia do que produziríamos na fala, isso ocorre porque o falante, no uso individual da língua, isto é, na sua expressão oral, já produz uma fala defeituosa e, apenas, na escrita, transfere a sua disortografia (dificuldade de ortografar).
Retomando à queixa do tio, e relendo seu relato enviado para minha apreciação docente, não descartaríamos, de logo, que a criança apresenta déficit de memória, acarretando, assim, dificuldade de cópia e na grafia das palavras. A escola tem levado muito em conta que sem memória não há aprendizagem e que a aprendizagem eficaz vem da e é assegura pela memória de longo prazo.
O fato de a criança não escrever ou transcrever corretamente da lousa para seu caderno acentos gráficos ou sinais de nasalização, também, tal desvio ou omissão indica outras dificuldades lingüísticas, não apenas na grafia de palavras mas no uso ou emprego dos sinais diacríticos (til, cedilha, agudo, circunflexo, hífen etc) que representam os elementos fonéticos da língua, e mais do que isso, tal esquecimento ou lapso pode ser um índice de dificuldade específica de leitura. Há uma relação muito estreita entre dificuldade de leitura e dificuldade de ortografia, entre dislexia e disortografia. Mas, ao contrário do que se possa imaginar, é a ortografia que mais ajuda na leitura.
Outro ponto a assinalar, a partir do relato do tio, é o seguinte: em geral, crianças com déficit de memória ou deficiente léxico ortográfico têm dificuldade de fazer a correspondência entre grafemas (letras, sinais diacríticos) e fonemas (vogais, consoantes e semivogais). Seja como for, por trás das dificuldades específicas de escrita ortográfica está a falta de consciência fonológica, isto é, o desconhecimento do princípio alfabético regente na relação entre grafemas-fonemas, ou de escrita-fala.
Vejam bem o que até aqui estou postulando sobre as alterações ortográficas: se a criança não apresenta déficit visual, ou seja, se sua acuidade visual é boa, não tem retardo ou comprometimento neurológico ou mesmo privação cultural ou escolar, então, por exclusão, podemos levantar a hipótese de déficit de memória associada à disortografia (má ortografia).
São muitos os exercícios compensatórios para amenizar ou mesmo superar as dificuldades ortográficas por determinantes pedagógicos ou dispedagógicos. Claro, no presente artigo, seria impraticável um exemplário exaustivo, de modo que vamos nos limitar aqui a algumas dicas didáticas em sala de aula regular: quando seu filho, sobrinho ou aluno, escrever uma palavra errada, peça-lhe que se sente à mesa ou à carteira, abra o dicionário e procure (inicialmente com sua ajuda, professor ou pais) a palavra da forma como a escreveu. Claro, como está errada não irá encontrar a palavra na forma com a grafou. Em seguida, peça-lhe que capture a palavra e quando encontrá-la a copie da forma como a encontrou no dicionário, ou seja, corretamente, observando em que parte fez permuta ou omitiu letras ou signos diacríticos e mais, solicite a criança que copie também todas as palavras- irmãs (nós chamamos essas palavras de cognatas, isto é, que têm a mesma raiz ou significado literal) da palavra que apresentou dificuldade em grafar corretamente.
Um novo pedido à criança será o de transcrever a série de palavras cognatas, em coluna, da mesma forma e seqüência que aparece no dicionário. Pode o professor, educador ou pai, sugerir, por exemplo, para melhor fixação da memória do educando, que utilize cores diferentes (o azul e o vermelho) para sublinhar a palavra (vermelho) e transcrever, em azul, sua definição ou significado literal. Se o educador quiser tornar ainda mais eficiente essa pesquisa ortográfica, deve sugerir que o aluno faça a divisão silábica da palavra coletada no dicionário.
Dessa maneira, indo ao dicionário para capturar a grafia correta, vai o aluno fortalecer seu léxico ortográfico e semântico. Copiar uma lista ou série de palavras ajuda, e muito, a criança a estocar a forma correta. Guardamos, enfim, na memória ortográfica, tudo que é organizado. Daí, a importância do dicionário, uma memória cultural a e histórica da civilização.
Lapsogramas - Na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral, onde criei, em 2005, a disciplina “Dificuldades em Ortografia”, no Curso de Letras, somente para estudar as dificuldades específicas em ortografia, tenho adotado o termo lapsogramas para as alterações ortográficas dos alunos (o neologismo é dos lingüistas cubanos). O que denominamos erros ortográficos muitas vezes não passam de lapsos de representação fonêmica ou lapsos de língua como diria Freud.
Entre diversas propostas de atividades didáticas com fins de intervenção psicolingüística, envolvendo professor ou especialista em ortografia (revisores de textos escolares) e alunos que apresentam alterações na grafia padrão da língua portuguesa, temos sugerido procedimentos como:
a)Pauta de Autocorreção Ortográfica (PAO) – A partir dos lapsogramas coletados nas pesquisas ortográficas, o professor ou especialista em ortografia elabora uma Pauta de Autocorreção Ortográfica, que consistirá em colocar um mesmo número sob cada tipo de erro ou lapso ortográfico. Em uma folha à parte, em forma de planilha, o professor escreve o critério de resposta correta que explique o número colocado sob cada palavra. Por exemplo, o professor escreve: “Revise sua escrita (ou grafia) com base no seguinte: O número 1 corresponde à aplicação da seguinte regra:” “A letra s representa o fonema /z/ quando é intervocálica, como em asa, mesa, riso”. Para esta atividade, o professor e os alunos podem se apoiar nas regras estabelecidas pelo Formulário Ortográfico ou pelas gramáticas normativas escolares.
b)Elaboração de um Inventário de Lapsogramas de Uso Freqüente –O professor deve, no seu cotidiano escolar, elaborar um inventário progressivo, em ordem alfabética, de palavras com dificuldades ortográficas observadas nas produções dos alunos (ou seja, lapsos verificados em todos os trabalhos dos alunos). Em seguida, o professor, à luz dos ensinamentos lingüísticos, deve levantar hipóteses lingüísticas (falta de consciência fonológica, por ex) ou psicolingüísticas (déficit de memória, por ex) para explicação das alterações ortográficas.
c)Realização de Jogos Ortográficos – O professor poderá trabalhar bem com as alterações ortográficas ao realizar jogos ortográficos a partir dos lapsogramas obtidos na produção escrita (redações escolares) de seus alunos.Um jogo bastante eficaz é o de Palavras cruzadas com pelo menos 20 palavras que apresentam freqüentemente alterações ortográficas no ditado de palavras.Uma outra atividade didática é o de incentivar, de forma lúdica, os alunos a identificarem raízes de palavras e a procurarem a história ou a origem das palavras que mais apresentam alterações ortográficas no ditado de palavras. Ainda nesta atividade, pode ser agregada a iniciativa de levar os alunos a criarem novas palavras ou a utilizarem prefixos e sufixos com os radicais, e a constatar seu efeito no significado dos neologismos.

Sugestões de leitura sobre o assunto:
1.CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização & lingüística. 5ª ed. São Paulo: Scipione, 1992. pp. 95-146.
2.CARVALHO, Marlene. Guia prático do alfabetizador. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1999.
3.CRYSTAL, David. Dicionário de lingüística e fonética.Tradução e adaptação de Maria Carmelita Pádua Dias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
4.FARACO, Carlos Alberto. Escrita e alfabetização: características do sistema gráfico do Português. São Paulo: Contexto, 1192. (Coleção Repensando a Língua Portuguesa)
5.GOULANDRIS, Nata K. Avaliação das habilidades de leitura e ortografia. In SNOWLING, Margaret: STACKHOUSE, Joy. Dislexia, fala e linguagem: um manual do profissional. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 2004. pp.91-120.
6.GUIMARÃES, Gilda; ROAZZI, Antonio. A importância do significado na aquisição da escrita ortográfica. In MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4). pp.61-75.
7.LEAL, Telma Ferraz; ROAZZI, Antonio. A criança pensa...e aprende ortografia. In MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4).pp.99-120.
8.LEMLE, Mirim. Guia teórico do alfabetizador. 6ª ed. São Paulo: Ática, 1991.
9.LLOP, Mario Pujol. Análisis de errores grafemáticos en textos libres de estudiantes de enseñanzas medias. Disponível em Internet: http://www.tdx.cesca.es/TDX-0906104-115216/. Acessado em 18/05/2005.
10.MASSINI-CAGLIARI, Gladis; CAGLIARI, Luiz Carlos. Diante das letras: a escrita na alfabetização. Campinas, SP: Mercado de Letras/ALB/Fapesp, 1999. (Coleção Leituras no Brasil)
11.MIYARES, Eloína; RUIZ, Vitelio. Vacuna ortográfica: val-Cuba. Nível primario. Metodologia pra prevenir y erradicar las faltas de ortografía. Habana: EdA, 1999.
12.MONTEIRO Ana Márcia Luna. “Sebra-ssono-pessado-asado”. O uso do “s” sob a ética daquele que aprende. In MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4). pp.43-60.
13.MORAIS, Artur Gomes de. “Por que gozado não se escreve com u no final?” – os conhecimentos explícitos verbais da criança sobre a ortografia. In MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4).pp. 77-98.
14.MORAIS, Artur Gomes de. Escrever como deve ser. In TEBEROSKY, Ana; TOLCHINSKY, Liliana. (orgs.). Além da alfabetização: a aprendizagem fonológica, ortográfica, textual e matemática. Tradução de Stela Oliveira. São Paulo: Ática, 1996. pp. 61-84.
15.MORAIS, Artur Gomes de. Ortografia: este peculiar objeto de conhecimento. In MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Bel.o Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4). pp.7-19.
16.MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Bel.o Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4).
17.MUTTER, VALERIE. Antevendo as dificuldades de leitura e de ortografia das crianças. In SNOWLING, Margaret: STACKHOUSE, Joy. Dislexia, fala e linguagem: um manual do profissional. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 2004. pp. 43-56.
18.REGO, Lucia Lins Browne; BUARQUE, Lair Levi. Algumas fontes de dificuldade na aprendizagem de regras ortográficas. In MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4).pp. 21-41.
19.SCLIAR-CABRAL, Leonor. Guia prático de alfabetização: baseado em princípios do sistema alfabético do Português do Brasil.São Paulo: Contexto, 2003.
20.SCLIAR-CABRAL, Leonor. Princípios do sistema alfabético do Português do Brasil.São Paulo: Contexto, 2003.
21.SILVA, Cínara Santana da; BRANDÃO, Ana Carolina Perrusi. Reflexões sobre o ensino e a aprendizagem da pontuação. In MORAIS, Artur Gomes. (org). O aprendizado da ortografia. 3ª ed. 1ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. (Linguagem e Educação, 4). pp. 121-139.
22.SNOWLING, Margaret: STACKHOUSE, Joy. Dislexia, fala e linguagem: um manual do profissional. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 2004.
23.TEBEROSKY, Ana; TOLCHINSKY, Liliana. (orgs.). Além da alfabetização: a aprendizagem fonológica, ortográfica, textual e matemática. Tradução de Stela Oliveira. São Paulo: Ática, 1996.
24.ZORZI, Jaime Luiz et ali. “A influência do perfil de leitor nas habilidades ortográficas”. Disponível em Internet: http://www.cefac.br/library/artigos/9ac5bcbbebadbc2160e2c7869d4890b7.p df. Acessado em 18/05/2005.
25.ZORZI, Jaime Luiz. “As inversões de letras na escrita o "fantasma" do espelhamento”. Disponível na http://www.cefac.br/library/artigos/3c269d1d920ea45f9274741052c717a4.pdf. Acessado em 18/05/2005.
26.Zorzi, Jaime Luiz. “As trocas surdas sonoras no contexto das alterações ortográficas”. Disponível em Internet http://www.cefac.br/library/artigos/84be6bc992b278e8e958a7523bb43ff1.pdf. Acessado em 18/05/2005.
27.ZORZI, Jaime Luiz. “Una secuencia de apropiacion de la ortografía del portugués”. Disponível na Internet: http://www.cefac.br/library/artigos/2b91dd8f0dbf2cd057e64d3405246a47.pdf. Acessado em 18/05/2005.
28.ZORZI, Jaime Luiz. Aprender a escrever: a apropriação ao sistema ortográfico. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
29.ZORZI, Jaime Luiz. Aprendizagem e distúrbios da linguagem escrita: questões clínicas e educacionais. Porto Alegre: Artmed, 2003.


Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), em Sobral, Estado do Ceará. E-mail: vicente.martins@uol.com.br

COMO A PSICOLINGÜÍSTICA EXPLICA A DISLEXIA








Prof. Vicente Martins
Universidade Estadual Vale do Acaraú




No campo da Psicolingüística, a dislexia possui uma rica tipologia. Para descrever alguns tipos, vamos tomar como referência lexicográfica, para nossa refundição terminológica, o trabalho de M. F. Xavier e Mira Helena M. Mateus, organizadores Dicionário de termos lingüísticos (Lisboa: Cosmos: 1990).
A dislexia pode ser considerada um tipo de afasia sensorial. Como tal caracteriza-se, segundo as autoras, pela incapacidade de compreender palavras escritas ou impressas, proveniente de lesão no lóbulo lingual. O indivíduo é incapaz de ler correctamente, apesar de a sua visão ser perfeita e de poder soletrar ou, mesmo, escrever.
No caso da criança, especialmente no ensino fundamental, quando manifesta, a dislexia pode tratar-se de um fracasso inesperado na aprendizagem da leitura e da escrita na idade prevista (dislexia de desenvolvimento), enquanto no caso do adulto se trata de dificuldades na leitura depois de acidente vascular cerebral ou traumatismo cerebral (dislexia adquirida).
Basicamente, os autores apresentam os dois tipos fundamentais de dislexia: a adquirida e a desenvolvimental. A dislexia adquirida, como o próprio nome sugere, é um distúrbio adquirido que se caracteriza pela incapacidade de ler ou deterioração da função de ler, resultante de um acidente vascular cerebral ou traumatismo cerebral. São quatro os tipos de dislexia adquirida: dislexia fonológica, dislexia profunda, leitura soletrada (dislexia de estrutura de palavra ou síndrome de Déjerine) e dislexia de superfície.
A dislexia desenvolvimental ou dislexia de desenvolvimento refere-se a distúrbios de leitura e de escrita que ocorrem na educação infantil.Em geral, a criança tem dificuldade em aprender a ler e escrever e, especialmente, em escrever correctamente sem erros de ortografia, mesmo tendo o Q.I. acima da média. O nível de distúrbios é definido pelo teste de dislexia de Bangor.
Ao lado da dislexia adquirida e desenvolvimental, existem outras manifestações da síndrome disléxica. Uma delas é a chamada dislexia de estrutura de palavra que consiste na incapacidade de ler a não ser pronunciando em voz alta uma letra de cada vez. É o único tipo de dislexia adquirida que pode ser explicado do ponto de vista neurológico. Na maioria dos casos a escrita não é afectada.
Não menos importante é a dislexia de superfície que se define como a incapacidade de ler caracterizada por distúrbios que ocorrem entre o sistema de reconhecimento visual de palavras e o sistema semântico. O paciente continua, no entanto, a poder dizer a palavra já que o sistema de reconhecimento visual e o sistema responsável pela produção da voz continuam intactos.
A dislexia fonológica, de grande interesse para a Pedagogia, refere-se à incapacidade de ler em voz alta as não-palavras e as pseudo-palavras, por exemplo, "bur", "páquina", enquanto se mantém intacta a capacidade de leitura do vocabulário corrente. O indivíduo pode acusar igualmente outros sintomas, por exemplo, erros visuais ao produzir pseudo-palavras na leitura em voz alta, em vez da palavra existente, por exemplo "páquina" em vez de "máquina". Erros derivacionais também podem surgir na leitura oral, especialmente quando contêm morfemas presos.
Há dislexia profunda que pode ser definida como a incapacidade de ler sem cometer erros semânticos. As outras afirmam que podem observar-se, no caso da dislexia profunda, igualmente, outros sintomas, tais como deficiência visual, substituição de palavras funcionais e erros derivacionais. Palavras dificilmente representáveis por imagens tornam-se mais difíceis de ler em voz alta do que as de representação fácil; os verbos são mais difíceis de ler em voz alta que os adjectivos, os quais, por sua vez, são mais difíceis de ler do que os substantivos. O paciente pode ser diagnosticado como disléxico profundo se na sua leitura em voz alta forem detectados apenas erros semânticos.



Bibliografia básica:



Xavier, M. F. & M. H. M. Mateus (1990) (orgs.) Dicionário de termos lingüísticos. Volume 1. Lisboa: Cosmos



Sugestão de leitura:



CHAPMAN, Robin S. (org.). (1996). Processos e distúrbios na aquisição da linguagem. Tradução de Emilia de Oliveira Diehl e Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas. 284p
CHAPMAN, Robin S. et alii. (1996). Fala infantil: suposições de um modelo processual desenvolvimental para a aprendizagem inicial da linguagem. In CHAPMAN, Robin S. (org.). (1996). Processos e distúrbios na aquisição da linguagem. Tradução de Emilia de Oliveira Diehl e Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas. p.15 –29.
KAMBI, Alan G. (1996). Três perspectivas sobre processamento lingüístico: interacionismo, modularidade e holismo. In CHAPMAN, Robin S. (org.). (1996). Processos e distúrbios na aquisição da linguagem. Tradução de Emilia de Oliveira Diehl e Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas. p.52-69.
KENT, Raymond D. (1996). Desenvolvimento fonológico como biologia e comportamento. In CHAPMAN, Robin S. (org.). (1996). Processos e distúrbios na aquisição da linguagem. Tradução de Emilia de Oliveira Diehl e Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas. p.73-89.
MILOSKY, Linda M. (1996). As crianças na escuta: o papel do conhecimento de mundo na compreensão da linguagem. In CHAPMAN, Robin S. (org.). (1996). Processos e distúrbios na aquisição da linguagem. Tradução de Emilia de Oliveira Diehl e Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas. p.30-51.
SOLÉ, Isabel. (1998). Estratégias de leitura. Tradução de Cláudia Schilling. 6ª ed. Porto Alegre: ArtMed. 194 p.
STRAND, Edythe A. (1996). A integração entre o controle motor da fala e a formulação de linguagem nos modelos processuais de aquisição. In CHAPMAN, Robin S. (org.). (1996). Processos e distúrbios na aquisição da linguagem. Tradução de Emilia de Oliveira Diehl e Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas. p.90-109.


Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), em Sobral, Ceará, Brasil. E-mail: vicente.martins@uol.com.br

COMO SONDAR A DISLEXIA PEDAGÓGICA




Vicente Martins


Para psicólogos, psicólogos e educadores lingüistas um dos gargalos para o diagnostico e tratamento das dificuldades específicas de leitura, no ambiente escolar, reside na compreensão de conceitos básicos e operatórios como dislexia e mau leitor. Como saber a diferença que há entre o conceito de dislexia e dizer que uma criança é mau leitor?
A dislexia é uma síndrome de origem neurológica. Pode ser genética (desenvolvida) ou adquirida (depois de acidente vascular cerebral, a AVC). O disléxico é potencialmente um mau leitor, embora consiga ler. O disléxico lê, mas lê mal, sua leitura é lenta e sofrível. Só um neurologista, a rigor, tem a competência técnica, em equipe multidisciplinar, juntamente com psicólogos e pediatras, afirmar se uma criança é ou não disléxica.
A dislexia é, pois, uma síndrome para atendimento médico, embora não se trate de uma doença. Para os educadores, o que inclui pedagogos, psicopedagogos e profissionais de ensino, dislexia é uma dificuldade de aprendizagem de leitura ou mais precisamente o que entendemos por dislexia é uma dificuldade de aprendizagem de leitura (DAL). Venho denominado de dislectogenia essa dislexia dita pedagógica.
Assim, poderíamos dizer que todo disléxico é realmente um mau leitor, mas nem todo mau leitor é disléxico. Uma má leitura não deve ser uma pista final para o reconhecimento do mau leitor, mas é uma pista preciosa para o diagnóstico do disléxico.
Nos meus estudos, tenho levantado a hipótese de um déficit lingüístico para a dislexia, o que me levaria, ainda, por sua vez, a um tipo de dislexia ou dislectogenia, a pedagógica, responsável, no meu entender, pela maioria dos casos das chamadas dislexias, no meio escolar; resultado da dificuldade que o aluno tem, durante a leitura, de fazer a correspondência grafema-fonema, isto é, de entender que ler é um mistério, porque não consegue a correspondência adequada do grafema ou letra ao fonema ou som da fala.
É nesse caso, o pedagógico, que está, pois, o verdadeiro mau leitor, que deixa de fazer uma boa leitura porque aprendeu a ler mal, porque a metodologia de ensino de leitura (global ou sintético) foi mal aplicada.
Um exemplo bem típico de dislexia pedagógica ou lingüística pode ser percebido partir desse relato de dificuldades do filho feito por sua mãe.
Relata-me a mãe o seguinte: tem um filho de 5 anos. Seu pai é músico. Conta-me que seu filho aprende com muita facilidade músicas até a parte instrumental, mas tem muita dificuldade em apreender a escrever seu próprio. Quanto tenta escrever o nome, segundo a mãe, escreve o U virado pra baixo o S ao contrario e sua fala já apresenta também dificuldades de ser compreendida pela própria família.
Ainda no relato, diz a mãe que a criança, antes, falava corretamente e, agora, apresenta dificuldades de fala e também costuma usar as duas mãos para fazer as atividades escolares. Às vezes utiliza a mão esquerda; outras, a direita, e tem muita dificuldade de apreender coisas simples, e sente muita “preguiça” a maioria das vezes para cumprir os deveres escolares. Pelo que lemos do relato, observamos que os sintomas de dificuldades de aprendizagem de lectoescrita (leitura e escrita) são de diversas ordens: distúrbios de rotação grafêmica (U virada pra baixo e S ao contrário) e de fala (incompreensiva).
A dislexia pedagógica acumula uma série de déficits que, claramente, afetam outras habilidades como fala, escrita e escuta. Aos 5 anos de idade, portanto, em processo de alfabetização, os métodos da escola parecem não atender às grandes expectativas dos pais quanto à alfabetização, o acesso ao código escrito, e ao letramento, isto é, aos usos sociais da escrita no cotidiano escolar.
Minha desconfiança, por exemplo, é que o método global, bem a gosto da maioria das escolas brasileiras, tem favorecido no Brasil o aumento de maus leitores.


Vicente Martins é professor da UVA, em Sobral, Ceará. E-mail: vicente.martins@uol.com.br