Vicente Martins
UVA - E-mail: vicente.martins@uol.com.br
Uma das reclamações mais freqüentes de pais, com filhos em idade escolar, é a de que as instituições de ensino, públicas ou privadas, populares ou burguesas, não têm dado uma resposta adequada e, em tempo hábil, às crianças que sofrem com as dificuldades de leitura e de escrita no ensino fundamental.
A família tem a incumbência de ajudar no processo de formação leitora de seus filhos. As dificuldades lectocritoras atingem ricos e pobres, brancos ou negros, europeus ou latinos, em todas as famílias, que estão nos bancos escolares. Para se ter uma idéia da incidência das dificuldades escolares , no âmbito das instituições de ensino, salientaremos que entre 10 a 15 por cento da população em idade escolar vão apresentar, em sala de aula, algum tipo de dificuldade de aprendizagem.
A escola ainda não responde, eficazmente, ao desafio de trabalhar com as necessidades educacionais das crianças especiais, especialmente às relacionadas com as dificuldades de linguagem como dislexia, disgrafia e disortografia.
A dislexia ocorre quando uma criança não lê bem ou não encontra sentido diante do texto escrito. A disgrafia e a ortografia se manifestam quando há dificuldade no plano da escrita ou do ato de escrever. São os distúrbios de letras déficits que preocupam os pais porque sabem que o sucesso escolar de seus filhos depende, e muito, da aprendizagem eficiente da leitura, escrita e ortografia.
2. Desenvolvimento da competência lectoescritora
Os pais são os primeiros a observar as dificuldades leitoras de seus filhos. Não são poucos os relatos de ansiedade dos pais por se depararem, amiúde, com as dificuldades de aquisição e desenvolvimento linguagem verbal, oral e escrita, de seus filhos.
A leitura e a escrita são duas habilidades complexas e imprescindíveis para aquisição para as demais habilidades escolares como a de calcular e de contemplar os saberes acumulados historicamente na civilização do conhecimento.
Os pais, nos seus relatos, apontam educandos que, aos 8 ou 9 anos de idade, apresentam leitura e escrita ou ortografia defeituosas. A troca de letras na escrita ou a troca de fonemas na fala ou leitura são os principais indicadores das dificuldades lectoescritoras.
A falta de planejamento no ato de escrever ou a falta de uma compreensão leitora, após a leitura de texto, são indicadores do grau de complexidade da lectoescrita no meio escolar.
Nessa faixa etária, particularmente no primeiro ciclo da educação formal e sistemático, no ensino fundamental, as preocupações dos pais se voltam para os primeiros indícios de deficiências lingüísticas.
Os transtornos de leitura, as diversas dislexias (fonológica e ortográfica) e de escrita (disgrafias) e ainda disortografia (má grafia das palavras) são as principais queixas dos pais.
A tese de que a escola é uma fábrica de maus leitores não deve ser descartada nesse momento. Não se trata de encontrar culpados, mas de buscar as raízes do fracasso escolar.
A escola, apesar de ser uma instituição antiga, ainda está engatinhando no ensino científico da línguas materna e estrangeira.
A dispedagogia, ausência de método eficaz no ensino escolar, por incúria do sistema político ou por incompetência da gestão pedagógica, é apontada hoje como mais importante causa do fracasso do ensino da lectoescrita e, a insistência no equívoco, acaba por gerar, ao longo de mais de uma década de formação escolar, uma aprendizagem deficiente, “patológica”, causando uma série de “atrasos”, “alterações” “distúrbios” ou “perdas” de letras.
A escola, a rigor, não se deu conta de que ensinar bem é favorecer à memória de longo prazo das crianças (MLP), para que estas armazenem informações e conhecimentos por um longo período da vida escolar. Assimilar bem os conteúdos escolares deve ser verdadeiramente a finalidade última da escola.
Numa linguagem comum, ensinar para vida é ensinar a pescar e não se limitar a dar o peixe: é ensinar a aprender a aprender. É numa palavra: desenvolver, na criança, a capacidade de aprender.
O significado de aprender deve ser portanto o de se alcançar uma assimilação ativa. Aprender na educação infantil, levar esses conhecimentos para o ensino fundamental e aprofundá-los no ensino médio, de tal modo que, na última etapa da educação básica, os jovens tenham desempenho eficiente ou satisfatório na hora de ler um livro ou de escrever um texto para concurso ou vestibular.
Sem uma Memória de Longo Prazo (MLP) é difícil o acesso ao léxico na hora de redigir textos ou fazer uma leitura compreensiva. Ler para aprender começa por uma leitura compreensiva de uma obra literária, como a dos clássicos da literatura brasileira (Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Rachel de Queiroz entre outros) e não se limitar a responder as questões da “ficha de leitura”, anexa ao livro.
Ler, pois, é inferir idéias e construir, como patrimônio próprio, cosmovisões do meio social, da vida, das relações pessoais, das formas de poder, da civilização, e mais, atribuir sentidos, significados plurais, ao que leu, de modo a aplicar informações e reconhecimentos retidos na vida acadêmica e pessoal.
Uma obra, como o Cortiço, de Aluísio Azevedo, não poderá ser traduzida apenas como uma descrição do quadro social do Rio de Janeiro no final do Século XIX, mas como uma crítica do autor, naturalista, à forma predatória com a qual Portugal dominou o Brasil no período colonial.
A escola, não poucas vezes, insiste em questões genéricas como “ qual o gênero dessa obra”, “a que escola pertence o autor x ou y”, “ quem é o personagem plano, redondo....”. Procedendo assim, a escola funciona como uma espécie de “cemitério oficial de leitores hábeis”.
Alguns professores, nesses “cemitérios leitores”, funcionam não como facilitadores e estimuladores da aprendizagem eficaz, mas verdadeiros “coveiros” de cérebros da leitura. Muitas vezes, as preocupações dos pais com o desempenho leitor dos filhos são aparentemente pequenas. Todavia, procedem não poucas vezes.
Alguns pais, decerto, exageram nas expectativas de seus filhos quanto à escrita ou à leitura, mas a desconfiança é ainda, para os pais, um bom indício do que, realmente, pode estar ocorrendo na formação lectoescritora do filho.
Ser leitor ou escritor (sem uma conotação de ser um homem de mídia, artes ou letras) é tarefa escolar e os pais não podem abrir mão de cobrar da gestão escolar, isto é, governos, conselheiros educacionais, diretores, coordenadores e professores, a proficiência lectoescritora de seus filhos.
A sociedade escolheu, entre as instituições sociais, a escola para trabalhar com os cérebros da leitura e da escrita de nossos filhos. Ocorre que muitas crianças, com dificuldades de lectoescrita, especialmente a falta de habilidade leitora, não chegam à compreensão significativa do assunto da obra.
Os pais e os professores, doutra sorte, almejariam que seus filhos-leitores alcançassem, após a leitura de uma obra, pelo menos, à compreensão das palavras, das frases e do seu mecanismo de funcionamento.
Alguns educandos, com formação escolar, tornam-se maus leitores, que não resistem a uma simples soletração cumulativa, alfabética, ou mesmo a dizer o significado literal, ao pé da letra, de uma palavra num ambiente textual. Um mau leitor, no ensino médio, pode ser gerado ou forjado no ensino fundamental.
Tomemos, por ilustração, alguns alunos, com dificuldades específicas de lectoescrita, já no final do primeiro ciclo do ensino fundamental, fazem a troca dos grafemas simétricos (a escrita espelhada de b,p,d e q) ou de fonemas que têm o mesmo modo ou ponto de articulação, como t/d, f/v, b/p principalmente.
O que fazer se a dificuldade dos educandos está na palavra, no signo gráfico e não no texto como um todo? Alguém que tenha dificuldade de compreender uma palavra terá alguma chance concreta de entender bem uma frase? Terá sido eficiente a educação infantil ou a classe de alfabetização, quanto ao desenvolvimento cognitivo e leitor da criança, na preparação para a leitura inicial ou intermediária? São questões que inquietam pais, professores e investigadores de problemas de linguagem.
Muitos pais, sem uma resposta eficaz da escola, procuram, fora do ambiente escolar, profissionais como fonoaudiólogos, pediatras, neurologistas e psicopedagogos, na busca de superação do problema. Muitos profissionais, por seu turno, atuam, prontamente, na reeducação da linguagem verbal. Sugerem caminhos, entretanto, as dificuldades de lectoescrita são específicas da leitura e da escrita.
Os que se aventuram a entender e a intervir, profissionalmente, na terapia das habilidades lingüísticas, devem conhecer sobremaneira aportes da teoria da aquisição, processamento e desenvolvimento da linguagem. Não é por acaso que, hoje, os profissionais de saúde (mais do que os professores) são os grandes leitores e autores de obras relacionadas com as patologias de linguagem. Há uma “medicina pedagógica” (pediatria, neurologia, psiquiatria etc) que já vem ocupando os vazios deixados pelos pedagogos tradicionais quando diante de situações em que as crianças não aprendem a escrever e a ler bem apesar de ter as condições objetivas oferecidas para uma formação eficaz.
Com a ajuda desses profissionais da educação e reeducação lingüística, que se dedicam à terapia da linguagem, bem como ao diagnóstico e intervenção psicopedagógica, o problema da dislexia, disgrafia ou disortografia, tem sido aparentemente amenizado, compensado, mas não significa a superação definitiva dos distúrbios. Se estamos tratando de atrasos lingüísticos, de ordem psicolingüística, a solução está no processo de formação escolar, portanto, sua natureza é pedagógica, didática, passa por uma relação nova entre professor, aluno e escola.
3. Insucesso da escola no ensino lectoescritor
As famílias têm uma responsabilidade na matrícula e permanência de seus filhos nas escolas, mas é, no ambiente escolar, que devem ser asseguradas, realmente, as condições de aprendizagem. Os problemas de leitura e escrita deveriam ter resposta eficaz no meio escolar, num trabalho interdisciplinar, contando, é claro, com a ajuda externa de profissionais da psicologia, da fonoaudiologia e da Medicina (pediatria e neurologia).
As soluções de problemas lingüísticos devem ser respondidos porque todos aqueles que atuam diretamente com a linguagem (todos os professores são professores de linguagem, em potencial), de modo a apresentar soluções sejam endógenas, de dentro pra fora da escola, sem perder de vista às especifidades do processo lectoescritor, que é, como disse, de origem pedagógica, que tem uma natureza didática, e, por isso mesmo, as soluções, definitivas ou temporárias, devem advir do próprio ambiente e dinâmica da escola.
O professor, principal agente do processo reeducador, deveria ou deve ser o mais aplicado, o mais qualificado, nas questões referentes à pedagogia da lectoescrita. Sem um trabalho consistente da escola, as trocas de letras simétricas, por exemplo, tendem a persistir na fase adulta. Em alguns casos, claro, com menos freqüência.
Outras vezes, uma síndrome que acompanhará a criança, o jovem e o adulto por toda sua vida. É necessário o trabalho de reeducação lingüística, isto é, formar a consciência lingüística, especialmente a fonológica, quer dizer, a consciência dos sons da fala. É papel da escola ensinar bem o sistema fonológico da língua, sua distribuição, sua classificação e sua variação.
A escola precisa ensinar, desde cedo os conceitos lingüísticos, de vogal e consoante, ditongo, hiato, enfim, no ensino da língua materna. É esta consciência fonológica ou lingüística que fará com que a criança, ao escrever palavras com letras simétricas (p, b, p, q), pense e repense sobre o processo da escrita alfabética. Uma das conseqüências da falta de consciência fonológica é, na escrita formal, os alunos, “saltarem” grafemas, por exemplo: coisa, ela escreve coia/ glóbulo/gobulo.
Quando trocas, omissões e substituições de fonemas/grafemas ocorrem no processo de formação lectoescrita, não temos dúvida de que a escola foi omissa ou negligenciou um ensino fonológico eficaz da língua materna.4. Defeitos na aprendizagem da lectoescrita
Falar e escrever são duas habilidades complexas no âmbito das habilidades lingüísticas. Expressar-se verbalmente, oral ou escrito, é habilidade que não nasce com o ser humano. A escola é, no âmbito das instituições sociais, a escolhida pela sociedade para o desenvolvimento das habilidades de leitura, escrita, fala e escuta. A fala, porém, deveria ser, para a escola, a habilidade inicial, básica, ponto de partida, para um trabalho mais acurado na formação lingüística das crianças.
A escola, todavia, tem tomado a fala espontânea, particularmente a que resulta da variação popular, como expressão errada, o que configura o chamado preconceito lingüístico. Os pais e educadores ou todos aqueles profissionais que operam com diagnóstico e intervenção psicolingüísticas devem ficar atentos para a idade de aquisição da linguagem.
Além de um determinante constitucional, o acesso obrigatório da criança ao ensino fundamental, a partir dos 7 anos, atende, também, uma etapa importante para seu desenvolvimento cognitivo, suas competências e habilidades lingüísticas. A partir de 8 ou 9 anos de idade e, já no final do primeiro ciclo do ensino fundamental, é importante que os educandos estejam proficientes na escrita e na leitura inicial.
A proficiência é um indicador importante do sucesso ou êxito escolar. Quando há dificuldade significativa e persistente na escrita ou na leitura inicial ou intermediária da criança, podemos dizer, de alguma maneira, que há fracasso escolar.
Assim sendo, os familiares devem redobrar suas atenções à expressão oral ou escrita dos filhos, de modo a verificar, de logo, indícios de defeitos de aprendizagem de leitura e de escrita das crianças. Uma boa e recomendável iniciativa é a de família escolarizada começar pela articulação escorreita dos sons da fala (os fonemas) e a escrita alfabética (os grafemas ou as letras). As trocas, substituições e omissões de fonemas, na fala ou na leitura, refletem deficiência na aprendizagem lectoescritora.
A troca de fonemas, como p/b, p/q, f/v, entre tantas unidades sonoras e distintivas do sistema consonantal do português, por exemplo, nessa fase, reflete, muitas vezes, uma deficiência de ordem lingüística (e não um déficit necessariamente neurolíngüístico), na formação lingüística inicial (alfabetização e letramento) da criança.
Uma criança que troca fonemas na fala ou que faz confusão na correspondência entre grafema-fonema e fonema-grafema parece sugerir, para os educadores e lingüistas, que há uma deficiência na formação pedagógica. Daí, ser o método lectoescritor um dos objetos da chamada lingüística educacional ou pedagógica. Sabemos que muitas deficiências estão enraizadas na própria pedagogia.
Muitos de nossos alfabetizadores, em que pesem os anos de experiência, o esforço exemplar, a dedicação ao magistério, têm deficiência de formação para o magistério escolar. Nas escolas, por vezes, ocorre a má instrução do ensino de leitura ou escrita. Pensemos, primeiramente, como uma ocorrência involuntária. Todavia, traz, ao longos dos anos de formação escolar, conseqüências sérias para o processo lectoescritor.
Um professor (ou professora), de educação básica, que diz que vogal é letra ou que não sabe discriminar, numa palavra, a quantidade de fonemas e letras, decerto, não conseguirá ministrar um ensino sistemático, seguro e coerente. Seu aluno, com certeza, terá dificuldade de soletração ou prosódia de algumas palavras.
Uma escola que ensina, por exemplo, termos, no sistema fonológico do português, apenas 5 vogais, está dando bases precárias, de ordem metalingüística, para a leitura, o que acaba por levar o educando à aquisição de uma dislexia pedagógica. Entendendo dislexia aqui como um termo estritamente lingüístico-pedagógico e não um transtorno à luz do psicólogo ou um déficit neurológico como quer um neurologista cognitivo. Sabemos que são 12 vogais. São 7 as vogais orais: /a/, /é/, /ê/, /i/, /ó/ /ô/ e /u/ e 5 nasais: /an/, /en/, /in/, /on/ e /un/. Vogais são os sons da fala. Vogais não são letras. Vogais são fonemas, isto é, unidades sonoras distintivas da palavra. Vogais têm a ver com a leitura.
Sem esse entendimento, não como vislumbrar um ensino a favor da consciência metalingüística dos sons da fala. As letras, que representam as vogais ou sons da fala, têm uma estreita relação com a escrita. A decodificação, fase importante na leitura, anterior à compreensão leitora, requerer o reconhecimento das letras ou dos grafemas, das diversas manifestações gráficas dos grafemas no sistema escrito. Ler e escrever se complementam, mas não são habilidades que tem níveis homogêneos. Falar bem não é garantia de uma boa escritura. Escrever bem não garante uma boa leitura. Quem lê mais amplia seu conhecimento prévio na hora de redigir, mas, ambos, escrita e leitura, são processos que têm suas especificidades. Como disse, numa palavra: a escrita não é espelho da fala.
Como se diz, como se fala, como se pronuncia o nome das pessoas ou objetos, não é, necessariamente, como se escreve. Não há uma correspondência biunívoca entre fonema ou som da fala com a escrita, com os grafemas. Nos casos em que crianças apresentam, insistentemente, a troca de letras, podemos supor, por exemplo, uma dificuldade por motivação fonológica. Uma informação lingüística ou metafonológica no processo de formação escolar faz diferença na habilidade lectoescritora da criança. Quem aprender a refletir a língua compreenderá melhor seus lapsos ou vícios de linguagem. A fonologia, parte da gramática, que trata dos fonemas, é de suma importância para a escrita e para a articulação de palavras. Vejamos, por exemplo, os fonemas /t/ e /d/ são consoantes linguodentais.
Uma surda (/t). A outra sonora (/d/). Os pais devem estar atentos quanto à articulação desses fonemas. Devem, pois, começar por observar, atentamente, a fala espontânea, típica, de seus filhos. Perguntas como “o que ocorre, com a escrita, depois de um ditado?” ou “estão sendo bem articulados por seus filhos na fala espontânea ou na leitura de textos escolares?” devem fazer parte do centro de interesse pedagógico e preocupação familiar dos pais. Então, se não estão aprendendo bem a estrutura fônica da língua, que tal um trabalho com as cordas vocais, para que os percebam a diferença quanto à sonoridade ? É uma hipótese importante. Em geral, quando ocorre esse déficit fonológico, essa hipótese há de ser confirmada na pronúncia ou soletração de consoantes labiodentais, como: /f/ e /v/ e as labiodentais /p/ e/b/.
Os pais, com ou sem formação superior, devem ter o hábito de abrir as gramáticas escolares que, infelizmente, trazem regras pouco claras. Ainda assim, as gramáticas trazem informações que podem esclarecer, por dedução, regras a partir das informações dos fatos ou fenômenos lingüísticos. Quem lê uma gramática sem se preocupar com a memorização de regras, e sim, comprometido em efetivamente compreendê-las, acaba tirando dividendos da matalinguagem gramatical: a explicação do código pelo código.
É interessante que a classificação das categorias gramaticais ou a terminologia da teoria da linguagem, não poucas vezes, são motivadas, trazem uma herança grego-latina da linguagem se confundindo com o ser, com a coisa, como o fato gramatical. Um advérbio é um é uma categoria que modifica o verbo (o adjetivo e o próprio advérbio também) porque é um “ad verbio”, isto é, uma categoria gramatical que fica próxima ao verbo. Um advérbio morfossintaticamente é uma categoria que se combina na estrutura oracional com o verbo, complementa seu sentido em diversas circunstâncias (modo, companhia, negação etc). A gramática não ensina assim, mas a terminologia nos sugere esta educação lingüística pela palavra.
A gramática não diz uma regra morfossintática simples assim como fizemos acima, como a do emprego do advérbio, sugerida, como ilustrei, na terminologia da própria palavra, mas uma releitura ou mesmo na “psicanálise de sua expressão”, de sua de sua terminologia histórica, herança dos antigos, descobre-se que a nomenclatura da gramática normativa, normalmente, é motivada, sugestiva, e assim, acabamos por chegar a uma conclusão da operação lingüística.
A gramática ensina que “antes de P e B não se escreve N e sim M”, mas não explica nada. Prescreve regras. Entretanto, se repararmos bem: /b/, /p/ e /m/ são fonemas bilabiais.
O fonema /n/ é linguodental. Por isso, devemos escrever M e não N. É, pois, uma regra fonológica. Portanto, uma boa explicação do fenômeno fonético, presente na regra gramatical acima, ensinada desde cedo no ensino fundamental, promove a consciência metafonológica da criança. Desse modo, os pais não devem ter qualquer cerimônia para abrir uma gramática ou um dicionário escolar na tarefa coadjuvante de ensinar a língua materna.
Aos filhos, com dislexia escolar, pode um pai ou mãe (ou mesmo um irmão mais velho) abrir a Gramática, na parte relativa à fonologia, e ver o quadro das consoantes da língua portuguesa. As vogais, mais simples, são distribuídas em central (/a/), anteriores (/ê/, /é/, /i/) e posteriores (/ô/, /ô/ e /u/), sempre sugerindo uma explicação, uma descrição para o funcionamento dos fonemas no contexto da palavra. Por que dizemos, na leitura, /pedru/ se a palavra termina com a letra o? Lemos os fonemas. Escrevemos as letras.
As letras apenas representam, na escrita, os sons da fala. A família observará , lendo as gramáticas escolares, como são classificados os fonemas quanto ao modo e ponto de articulação. Um exercício operatório com a articulação ou produção dos fonemas é de grande valor no ensino da lectoescrita.
Senão vejamos: a) Deve, pois, a família, fazer sua educação ou reeducação lingüística. Articular cada fonema, vogal e consoante. Observar como o filho está pronunciando os fonemas. b) Em seguida, pedir para que o filho ou filha olhe o movimento de seus lábios quando articulam fonemas em algumas palavras do cotidiano (papai, bola, caderno, faca, tarefa etc). Quem aprende a olhar, a observar, aprende a teorizar.
A palavra teoria, de origem grega, quer dizer, ao pé da letra, “aquilo que vem do olhar”. Quem olha aprende a pensar. Quem pensa a língua, quando fala, lê, escuta ou escreve, é capaz de fazer reflexão metalingüística. c) Pedir também que imitem sua articulação dos sons das fala é um modo antigo, tradicional, mas interessante de aprender. Há um ditado latino que diz: a repetitio studiorum mater est (A repetição é mãe do conhecimento). A repetição acaba por levá-los, assim, à consciência dos fonemas.
Um pai ou uma mãe que assim se disponha a ensinar, mesmo não sendo um(a)pedagogo(a) ou lingüista de formação, poderá, com esse procedimento, ajudar na formação leitora de seus filhos. As famílias têm, pois, um importante papel na formação escolar de seus filhos.5. Ensino da história da língua materna
Na condição de pais ou educadores, sempre desconfiemos do que pode estar ocorrendo na formação escolar dos filhos. Às vezes, a escola deixa de dizer, por negligência ou incompetência, que as letras do alfabeto surgiram, a 3.000 anos, antes de Cristo. O “a” ou o “A”, minúsculo ou maiúsculo, foram inspirados na “cabeça de um boi”; a letra “b” foi inspirada, por sua vez, numa “casa mediterrânea de teto achatado” e que o “p” foi motivado, em seu traçado, por “uma boca” e assim por diante.
A escola precisa desenvolver essa competência lingüística. Na verdade, quis dizer até aqui o seguinte: a escola precisa devolver à criança a competência lingüística e metalingüística, para que cumpra (a escola) o papel de desenvolver a capacidade do educando de ler para aprender, de escrever para aprender, de aprender a aprender.
Revelar que a língua é histórica, que seu alfabeto tem origem grega, tem influência hebraica, tem marcas dos signos semíticos e traz também as marcas pictográficas de hieróglifos egípcios, é de extrema importância para o reconhecimento das letras, para decodificação, primeira etapa da leitura proficiente. A história das letras do alfabeto devem fundamentar as aulas de língua materna na educação infantil e no ensino fundamental. Assim procedendo, cedo o professor ou pai desconfiará ou desconfiarão, quando do processo escritor da criança, que um erro na caligrafia pode ser motivado por questão de lateralidade nos traços das letras.
A desconfiança docente ou dos pais servirá como boa hipótese significativa para uma pedagogia compensatória no quadro da deficiência lingüística. Refiro-me a uma pedagogia de ensinar coisas simples. Ensinar bem é ensinar com simplicidade, com objetividade. Aliás, a ciência da linguagem, a lingüística, se caracteriza pela explicação e descrição claras dos fenômenos da linguagem. Vejamos, por exemplo, “p” e “b” como são letras parecidas.
Quando a perninha desce é um “p” , mas quando sobe é um “b”. Subir e descer. Descer e subir. Espaço. Lateralidade. Fácil para os adultos. Grande complexidade lingüística para as crianças na educação infantil e no ensino fundamental.
Uma letra (ou grafema) parecida com um outro signo gráfico, mas com traçado diferente, pode representar, na leitura, um som diferente e, conseqüentemente, trará significado diferente na produção lexical, frasal e textual. Fácil, não? Os professores estudaram os fatos da língua. Sabem disso informações da aquisição, desenvolvimento e processamento da linguagem. Mas uma criança aos 9 anos pode não armazenar as informações lingüísticas de forma eficiente. Quando não se aprende a grafar bem pode ser uma deficiência de percepção espacial, de lateralidade. Pode ser, pois, uma deficiência cognitiva.
6. Desenvolvimento da capacidade de aprender
É preciso que a escola ensine aos educandos, especialmente os da educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio), como se dá, realmente, o processo de aquisição do conhecimento da linguagem.
As crianças, desde cedo, precisam entender como se processa, no cérebro das pessoas, o armazenamento, por longo prazo, das informações lingüísticas, imprescindíveis para a fala, a escrita, a leitura e a escuta.
Tal ensinança servirá não só para o ensino da língua materna como também para as demais disciplinas escolares.
Um cálculo como 34 x 76 tem muito a ensinar além do seu produto final. Alguns professores de matemática ou língua materna se concentram no resultado da instrução ou resolução da questão, no produto, enfim, e se esqueçam de que o processo é a base mais legítima para uma avaliação formativa, em que se valoriza cada etapa trabalhada e vencida pelo aluno. A avaliação formativa valoriza todos as partes do todo e se volta para aprendizagem ou o reaprender da criança.
A avaliação somativa, ao contrário, julga o todo por uma parte, por uma parcial no processo de formação, unicamente com a preocupação de julgar.
Quando pensamos em lectoescrita, uma operação elementar de multiplicação, por exemplo, chega a ser reveladora do processo cognitivo a que as crianças estão submetidas na hora de operar cálculos na mente e no papel (este, uma espécie de prolongamento da memória operativa), posto que esta operação elementar se efetiva no cálculo da soma de n parcelas iguais a um número m.
A Matemática e a Escrita estão bem próximas nesse ponto, isto é, ambas, têm uma natureza processual e cognitiva. Pois bem, teríamos os seguintes procedimentos no caso da multiplicação: a) Distribuição espacial, em diagrama, dos fatores que participam da operação matemática, isto é, 34 e 76.; b) Efetuamos, no segundo momento, a operação entre multiplicador x multiplicando. Observar-se-á nesse caso que o multiplicador é o fator que indica quantas vezes se há de tomar o outro para efetuá-lo.
O Multiplicando é o número que se há de tomar tantas vezes quantas são as unidades do multiplicador. c) Por fim, chegaremos ao produto, isto é, o resultado da operação, da “produção” do cálculo.
A dialética, como fundamento da metodologia processual no ensino-aprendizagem das habilidades lingüísticas e matemáticas, está presente, portanto, na matemática elementar ou na produção de texto, discursivo ou dissertativo. Um texto, à guisa de uma operação elementar de multiplicação, é um processo constituído também de fases: a) Introdução, b) desenvolvimento e c) conclusão. Uma operação de multiplicação de 34 X 76 poderia introduzir uma aula de produção escrita em que se vai se ensinar e descrever, por analogia, a estrutura básica e processual de um texto.
Como disse acima, se a escola tem em vista à avaliação, o método processual, na matemática, na leitura, na escrita ou em qualquer outra disciplina , há de ser instrumento salutar para professores e alunos. No momento da avaliação, a idéia de processo volta a ser o centro da atenção docente.
A avaliação formativa tem como pressuposto o processo, o reconhecimento de que os meios são importantes para os fins últimos da aprendizagem. As crianças precisam aprender e apreender essas informações da linguagem, da leitura, da escrita e do cálculo, com clareza e de forma prazerosa, lúdica.
Quem sabe, ensina. Quem ensina, deve saber os conteúdos a serem repassados, gradualmente , para o aluno. A escola precisa levar as crianças ao reino da contemplação do conhecimento. Vale o inverso: a escola deve levar o reino do saber às crianças. As crianças são os regentes do reino do saber. Nas ruas, as crianças não aprenderão informações metalingüísticas como os conceitos de língua, fala, vogal, semivogal, dígrafo etc. Farão, claro, hipóteses metalingüísticas sobre os fenômenos fonéticos, as ocorrências fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas, extraídas, quase sempre da fala ou da escuta espontâneas.
Uma criança aprende na rua uma expressão “eu tô maluco”, mas só a escola é capaz de advertir que, na língua culta, a forma ideal, de uma sociedade letrada, burguesa, é “ eu estou maluco”, mas relativa que a língua, por sua natureza social, sofre muitas alterações na sua forma e substância no tempo e no espaço.
Por isso, a escola pode dizer que a língua histórica , por uma série de transformações lingüísticas (metaplasmos) e estruturais, em decorrência da dinâmica social e variações diatópica (geográfica) e diastrática (social) próprias dos idiomas ditos modernos, transformou uma forma verbal consagrada, pelas gramáticas eruditas, como “estou”, em “tou” na língua popular e aqui, nesse reino da língua espontânea, um ditongo em “tou” passou a monotongo em “tô”.
Aprender o funcionamento da língua é muito interessante. É na escola, com bons professores, que as crianças aprenderão que informações da metalinguagem da língua materna lhes darão as competências e habilidades requeridas para a leitura e para a sociedade do conhecimento, dentro e fora da escola. Nos lares, a tarefa de reforço do que se aprende na escola se constitui um complemento importante, desde que os pais se sintam parte do processo. Aliás, a educação escolar, de qualidade, comprometida com um ensino produtivo, é um dever do Estado e das instituições de ensino, públicas ou privadas.
Doutra maneira, a educação lingüística, do escrever para aprender, do ler para aprender, é dever, também, repartido e compartilhado por familiares e instituições educacionais e uma co-esponsabilidade social dos que operam com os saberes sistemáticos, que se voltam para o desenvolvimento humano, para a qualificação para o trabalho e para o exercício da cidadania. Quando nos referimos ao conhecimento, a família e a sociedade, como um todo, devem engajar-se na tarefa de garantir o acesso ao ensino de qualidade a todos que desejam conhecer e aprender saberes acumulados historicamente pela humanidade e favorecer a educação lingüística do seu povo.
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Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA),de Sobral, Ceará, Brasil.E-mail: vicente.martins@uol.com.br